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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Quando a violência interfere na educação - O POVO

Professores e alunos têm de conviver com a violência em comunidades de Fortaleza. O POVO começa uma série sobre o desafio de uma boa educação em meio à violência

Yanna Guimarães
yanna@opovo.com.br

18 Nov 2009 - 00h00min

Seis grupos rivais disputam o tráfico de drogas no bairro Sapiranga. Em dia de conflito, não tem aula. Isso porque duas das principais escolas da região - uma até o 5º ano e outra do 6º ao 9º - estão separadas pela chamada ``fronteira``, que divide duas das principais gangues. Quando alguém morre de um lado, ninguém se atreve a passar para o outro, mesmo que seja para ir à escola. ``A gente já tá acostumado. Em dia de tiroteio, de confusão, ninguém nem sai de casa``, conta a menina de 11 anos. Os alunos chegam a faltar 15 dias seguidos. "O desempenho é prejudicado. O que a gente constrói aqui, a rua destrói em pouco tempo``, relata a professora.

Para se ter uma ideia, das 70 escolas de ensino fundamental que registraram menor Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (Ideb), 54% estão em áreas violentas. São lugares como o bairro José de Alencar, onde a guerra do tráfico é entre três gangues, duas em cada lado de uma escola e outra atrás. ``Tem tiroteio a qualquer hora. Às vezes, até de manhã cedo, quando os alunos estão chegando. Quando matam um entre eles, a gente só escuta os fogos (de artifício), em comemoração``, descreve uma professora. Houve uma época, até quatro anos atrás, segundo relatos de ex-funcionários, que até pedágio era cobrado a quem trabalhava na escola.

Como o ônibus não entrava no bairro, parava na avenida Washington Soares, os professores tinham de andar muitos quarteirões para chegar à escola. "Eu ia trabalhar como mendiga, de chinela e sem nada de valor. Mas eles pediam o que a gente tivesse. Normalmente era um vale transporte por dia. Uma vez, uma colega minha não tinha. Ela foi agredida e até hoje tem marcas", conta a professora, que desistiu de ensinar na escola. "Eu chorava todos os dias". Histórias como essas se repetem em toda a cidade. Professores e alunos têm de conviver com risco de assalto, brigas de gangue, tiroteios e tráfico de drogas.

Drogas
Quando as crianças e adolescentes já estão envolvidas no tráfico, o desafio é ainda maior. ``Nós tentamos prepará-las para não entrar nessa vida, mas procuramos não nos envolver diretamente``, conta a professora que dá aulas para meninos de 10 anos que trabalham como ``aviãozinhos``, levando droga e trazendo o dinheiro aos traficantes. Uma consequência direta são os índices de repetência. Cerca de 70% das escolas com casos de depredação, ou seja, agressão contra a escola, têm índice de repetência superior a 20%. O número foi obtido a partir de uma pesquisa de campo feita pelo programa Fortaleza de Paz nos anos de 2006 e 2007.

O cientista político Paulo de Tarso Riccordi, que coordenou o estudo, afirma que um dos grandes problemas é a falta de preparo dos professores. ``O magistério não foi formado pra tratar a violência. Na Pedagogia não tem nenhuma cadeira sobre isso``. O professor de uma escola no Conjunto Palmeiras diz que o problema também é das famílias, que estão cada vez mais desestruturadas. ``O poder público está deixando muito a desejar e coloca toda a responsabilidade em cima da escola. E não há quem dê conta``.

A diretora de uma creche no mesmo bairro conta que recentemente viu uma criança passando em frente à escola brincando com um revólver calibre 38. ``Temos que ser amigos. Se não, a gente não sobrevive. É um pacto de boa vizinhança. Assim, eles não nos atacam``.

O POVO opta por não identificar as instituições, os alunos e os professores para protegê-los.

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